quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Gabriel García Márquez


Trechos de "Memória de Minhas Putas Tristes"


“... da mesma forma que os fatos reais são esquecidos, também alguns que nunca aconteceram podem estar na lembrança como se tivessem acontecido.”

“Nunca esqueci seu olhar sombrio enquanto tomávamos o café da manhã: Por que você me conheceu tão velho? Respondi com a verdade: A idade não é a que a gente tem, mas a que a gente sente. Desde então a tive na memória com tamanha nitidez que fazia dela o que queria.”

“Graças a ela enfrentei pela primeira vez meu ser natural enquanto transcorriam meus noventa anos. Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do zodíaco.”
“Virei outro. Tratei de reler os clássicos que me mandaram ler na adolescência, e não aguentei. Mergulhei nas letras românticas que tanto repudiei quando minha mãe quis me forçar a ler e gostar, e através delas tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não foram os amores felizes e sim os contrariados. Quando meus gostos musicais entraram em crise me descobri atrasado e velho, e abri meu coração às delícias do acaso.”

“Não se engane: os loucos mansos se antecipam ao porvir.”

“O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança.”

“Havia achado, sempre, que morrer de amor não era outra coisa além de uma licença poética. Naquela tarde, de regresso para casa outra vez, sem o gato e sem ela, comprovei que não apenas era possível, mas que eu mesmo, velho e sem ninguém, estava morrendo de amor. E também percebi que era válida a verdade contrária: não trocaria por nada neste mundo as delícias do meu desassossego. Havia perdido mais de quinze anos tratando de traduzir os cantos de Leopardi, e só naquela tarde os senti a fundo”
“Ai de mim, se for amor, como atormenta.”

“De verdade, terminou ela com a alma: não vá morrer sem experimentar a maravilha de trepar com amor.”
“Era enfim á vida real, com meu coração a salvo, e condenado a morrer de bom amor na agonia feliz de qualquer dia depois dos meus cem anos.”

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Charles Bukowski [II]

há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Procura-se



Alguém que goste de tomar café, alguém que goste de meditar sobre a vida e seu sentido. Procura-se alguém com sinceridade afiada e talvez desastrado ás vezes, "quebrou o copo, mas nem tem como me chatear, é desastrado!". Procura-se alguém que me saiba, mas que não me desmascare. Procura-se alguém com toque leve e persistente, alguém com calma e serenidade sem perder a intensidade. Procura-se alguém que chegue na primavera e permaneça no verão e também no outono, e depois se cubra perto de mim no inverno e, quando eu perceber já passaram várias primaveras, vários verões e outonos e invernos e ele continua lá, e nós poderemos falar sobre uma primavera de décadas atrás andando de braços dados porque sobrevivemos, vivemos juntos e ficamos sentidos quando o Caetano morreu. Procura-se alguém que goste de ler, que goste do pôr-do-sol, e de... Rock, samba, MPB. Alguém que ri das minhas piadas, e alguém que saiba cozinhar bem, muito bem, e que goste de comer sentado no sofá. Procura-se alguém que me faça entender que a vida é divina, e que vale a pena confiar e “Minha nossa, eu tenho um lugar para voltar, vou correr e dizer mais uma vez para você que vale a pena!”. Procura-se alguém que aprecie a solidão, alguém que goste de dividir a solidão e depois ficar um tempo só para lembrar como é bom ter uma conexão com alguém e já não se sentir mais tão só no mundo. E então, nesses instantes solitários, nossos silêncios serão cobertos por aquele mistério, talvez isso chamem amor, mas só talvez porque devo admitir que já não me interessa saber o que é, desde que eu possa sentir e passar por isso.

Mas,
enquanto isso tudo não chega vou estar por aí imaginando histórias, fantasiando, lendo, aproveitando as coisas efêmeras pelo caminho, mas claro que sempre quando eu vir um rosto estranho na penumbra vou imaginar "talvez seja ele quem eu estava esperando". Pode ser que muitas vezes eu imagine na ressaca que isso é ilusão, mas eu sei, eu sei que eu vou encontrar.
"Esta é a graça dos pássaros, cantam enquanto esperam." Henriqueta Lisboa