sexta-feira, 26 de outubro de 2012

City of Blinding Lights

Eu vi a noite cair na cidade grande há alguns anos atrás... sorrateiramente. Vi os carros disputarem espaço no entardecer, os camelôs se recolherem, a luz do sol de outono esvair-se lentamente, enquanto a noite envolvesse a cidade e instigasse mistério a todos os movimentos envoltos em seu turno. As moças das lojas ainda maquiadas no ponto de ônibus pra voltar pra casa, a manicure que havia atendido sua última cliente, as lojas fechando...
Um ritmo naturalmente pulsante que envolve as alterações de períodos e tantos ciclos interligados, como se todas as pessoas reproduzissem uma coreografia em conjunto. Intimamente eu divagava que todos nós estaríamos dançando sozinhos em sintonia. Vi um cara chegar totalmente desalinhado em um bar com aparência descuidada, ele se embebedou, jogou sinuca ao som de 'Bom Senso' de Tim Maia, depois ele deitou na mesa de bilhar e dormiu, supostamente era amigo do dono do bar. Vi uma garota de programa aparentando menos de 30 anos andar na rua com seu salto e suas roupas curtas, blasé ela parou na esquina e esperou. Vi um gari com sua roupa laranja, ele usava uma aliança. Provavelmente sua mulher estaria em casa assistindo o fim da novela das nove e desejaria solitariamente que o seu marido tivesse um trabalho que coincidisse com o horário do seu, então ela se lembra de sua amiga que reclama que o marido chega e bagunça a casa toda, mas ela sabe que com ela não aconteceria isso. Porque nas noites ele cruza ruas carregando sacolas de lixo, e faria isso mil vezes por ela e por seu bebê. Eu vi o malandro, eu leria mais tarde num livro de Jorge Amado que ninguém ama mais a cidade que os malandros, e aquele parecia familiarizado com a noite, com o dia e parecia viver do mesmo jeito que corria: agilmente, rapidamente e sem olhar pra trás. Eu vi as árvores sombrias e velhas, as sombras durante o dia e confidentes noturnas. As espectadoras silenciosas que assistiam tantos destinos, tantas vidas, tantos mundos, tantas percepções. Eu pensei em todos eles, pensei no sonho deles. Eu penso nos meus sonhos. Ás vezes eu tenho medo antes de dormir, mas aquela noite eu passei em claro por causa de um velório. À noite na cidade grande com luzes, outdoors de produtos que se tornariam obsoletos na próxima estação, as vitrines, os táxis, o concreto. Pensei em todas as probabilidades de muitas coisas, percebi que se tentasse fazer uma coisa fracassada mais uma vez a segunda vez poderia falhar como na primeira e eu perderia tempo, mas percebi que poderia tentar algo importante até conseguir, porque o tempo me faria mudar. Eu percebi o movimento, a coreografia, desejei ter alguém com quem pudesse andar sobre aquelas calçadas iluminadas pelas luzes e por sonhos, alguém...

postado em 05/08/2011

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Há 2


da gota ao mar
da paixão ao amor
do efêmero ao transcendental

postado em 15/09/2011

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Gavetas


"Ah, se eu pudesse me arrumar por dentro, tudo calminho nas gavetas." Lygia Fagundes Telles

Alfred era um conhecido vendedor de gavetas. Vendia gavetas na região boêmia da cidade. Sua loja ficava entre um supermercado e uma loja de armas.
Seu negócio era rentável, muitas pessoas o procuravam para comprar gavetas que pudessem guardar memórias, as mais velhas gostavam de catalogar suas memórias, por isso, compravam várias gavetas para montar uma cômoda em casa. Outras mais precavidas conectavam um pen drive à gaveta pra salvar as memórias no computador, eventualmente enviavam aos amigos. Mas, muitos gostavam da relação romântica com a gaveta, apenas salvavam a memória lá e costumavam abrir sozinhos para sentir o mesmo sabor, o mesmo cheiro. Era como se entrassem em um Universo Paralelo, era como se o passado ainda estivesse acontecendo em um lugar muito distante. Algo mais apurado que a nostalgia. Viam os fatos como realmente aconteceram e se espantavam com a atual percepção que tinham. Compravam novas gavetas e salvavam novas memórias.

Mas havia um caso mais extremo. Aqueles que compravam gavetas necessariamente pra "se livrar" de memórias, esquecer sentimentos. Alfred foi o pioneiro nisso.

Inventou o sofisticado sistema de engavetamento quando estava sofrendo por amor. 
Já tinha tentado de tudo, um dia descobriu uma forma de transferir o que sentia ao objeto com certas especificidades que ele havia feito: uma gaveta especial! Não era apenas salvar memórias, era pôr ela nas gavetas, só nas gavetas pra não se recordar mais.

Ele pôs tudo o que sentia numa gaveta. Não salvou em pen drive, nem colocou a gaveta numa cômoda. Pegou o objeto e o incinerou.

Mas na cidade onde viveu, Alfred era apenas um conhecido vendedor de gavetas;

postado em 27/06/2011

domingo, 21 de outubro de 2012

Paul



RS: Você tem idéia do que continua a tocar as pessoas com os Beatles depois de todos esses anos?
Paul McCartney: Acho que, basicamente, é a magia. Os Beatles eram mágicos. Para mim, a vida é um campo de energia, um punhado de moléculas. E essas moléculas específicas se formaram para que aqueles quatro caras virassem os Beatles e fizessem todo aquele trabalho. Preciso pensar que foi algo metafísico. Uma coisa que deve ser considerada mágica. Estou sendo muito extravagante? Se você quiser ser prático, acho que as músicas eram muito bem estruturadas. Quando as canto atualmente em shows, penso: “Isso aí é bom, é sim. Que verso bom. Ah, entendi!”. É uma redescoberta. Você simplesmente lembra: “Ah, foi por isso que fiz assim”. Então, elas também têm uma força física, é trabalho bem-feito

sábado, 20 de outubro de 2012

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Simone de Beauvoir

"Havia muita verdade na observação que um dia Nadine me fez: 'Nunca você se incorpora  à situação.' Eu observava as pessoas com olhos de médica, o que me dificultava ter com elas relações humanas. A cólera, o rancor... raramente sou capaz disso. E os bons sentimentos que me demonstram não me sensibilizam. É de meu ofício suscitá-los. Devo suportar com indiferença os resultados das transferências que opero e liquidá-los no momento exato. Conservo essa atitude, inclusive na vida particular. Conquistado o paciente, diagnostico logo suas perturbações infantis, vejo-me tal como aparecia em seus fantasmas: mãe, avó, irmã, filha, ídolo. Não aprecio muito as feitiçarias que me atribuem, mas devo resignar-me a isso. Suponho que, se algum dia um indivíduo normal tivesse o capricho de prender-se a mim, logo eu me perguntaria: Que será que ele vê em minha pessoa? A que desejos frustrados está procurando satisfazer? E seria incapaz do menor impulso.”
(Anne Dubreuilh, psicanalista em "Os Mandarins")

terça-feira, 9 de outubro de 2012

A cura do fogo

é queimar, queimar e queimar
incinerar o que estiver pelo caminho
é tornar pó

é transformar;
transmutar!

Liberdade [3]

Não é fuga. É coragem. Só agora eu vejo que estava certa quando evitava que meu coração se desse ao desfrute de sentimentos efêmeros. Destes, a paixão o mais devastador. E só agora eu me dou conta que pertenço ao clube dos solitários.
Ah, os solitários....
Eles não são antipáticos ou amargos, ao contrário eles sentem uma simpatia natural pelas sutilezas. Admiram o céu e o pôr-do-sol, os detalhes...
Ninguém ama como os solitários, eles oferecem todo o amor que podem e guardaram nos dias serenos em que contemplaram a própria sombra. Quem é só não se entrega á toa, pois tem consciência que é tudo o que tem. Eles são verdadeiros em relação aos sentimentos e não são carentes. Não se 'penduram' em ninguém para enfrentar os dias nebulosos. Os solitários podem constantemente mudar de opinião, mas nunca 'forçados' à isso, é impossível 'colonizar' um solitário. Nem mesmo a paixão por mais intensa que seja pode fazer um solitário convicto mudar o caminho, no máximo uma confusão passageira.
Solitários são sensíveis e demoram para abrir mão de sua fiel companheira - a solidão -, para dar espaço a outra pessoa.
Solitários são juízes que julgam-se o tempo todo em prol de uma consciência tranquila, pois sabem que muitas vezes esta é a única companhia que possuem e precisa ser silenciosa. Solitários não parecem solitários por que são os melhores amigos que alguém pode ter. Solitários tendem a esconder-se das relações ou do apego por que isso subverte grande parte da filosofia anterior e quando isso acontece pode ocasionar sofrimento com o fracasso da relação, e, é doloroso voltar aos dias 'sozinhos', mas apesar disso eles não guardam mágoa, afinal eles sabem que andam livres e não podem ficar retidos no passado.
Mesmo que ás vezes tenham que andar no escuro, atravessar madrugadas e superar as cinzas porque só podem passar por isso porque são feitos de luz.
Sentei por alguns minutos no escuro com meus arrependimentos e sonhos, tenho aquela sensação de que espero alguém chegar, ou melhor 'não chegue agora', estou ainda recolhendo fragmentos de uma catástrofe recente. Será que é verdade aquele clichê que você um dia conhece alguém que pode mudar sua vida? Eu sei que já passei da idade de acreditar no amor...