Ser produtivo como um homem, regrado como um homem e com disciplinas.
Na sua cabeça alguns versos de um poema que havia lido pela metade, ou menos da metade, o visitavam mais uma vez. Já tentara procurá-lo anteriormente, sem êxito, mas naquela quinta tentara novamente.
O gosto daqueles versos...
A sensação de acordar com um poema na cabeça, inacabado, procurado e não encontrado.
Mas naquela manhã (uma quase tarde, talvez ainda pudesse dar bom dia), mais uma vez lançou as palavras ao vento [no vento do Black Mirror que fique bem explicado] e (re)descobriu Jorge Luis Borges:
Com o que posso te prender?
Eu te ofereço ruas esguias, crepúsculos desesperados, a lua
dos subúrbios mal feitos.
Eu te ofereço a amargura de um homem que já muito olhou a
lua solitária.
Eu te ofereço meus ancestrais, meus mortos, os fantasmas que
os vivos honraram em mármore: o pai de meu pai, morto na fronteira de Buenos
Aires, duas balas em seu peito, barbado e sem vida, amortalhado por seus
soldados numa pele de vaca; o avô de minha mãe – apenas vinte e quatro anos –
liderando uma ofensiva de trezentos homens no Peru, hoje fantasmas em cavalos
esvanecidos.
Eu te ofereço qualquer que seja o entendimento em meus
livros. Qualquer virilidade ou humor em minha vida.
Eu te ofereço a lealdade de um homem que jamais foi leal.
Eu te ofereço aquele núcleo de mim mesmo que de algum jeito
salvei – o coração central que lida não com palavras, negocia não com sonhos e
é intocado pelo tempo, pela alegria, pelas adversidades.
Eu te ofereço a memória de uma rosa amarela vista ao
pôr-do-sol, anos antes de teu nascimento.
Eu te ofereço explicações de ti mesma, teorias sobre ti
mesma, autênticas e surpreendentes notícias de ti mesma.
Eu posso te dar minha solidão, minha escuridão, a fome de
meu ser; estou tentando te subornar com incerteza, com perigo, com ruína.
Fonte: https://vanessacretina.wordpress.com/2011/01/20/dois-poemas-ingleses-ii-jorge-luis-borges/
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